Como se tornar um roteirista de HQs (parte I)
Será que tem um rito de passagem? Ou talvez uma fórmula mágica?
Oi, como você está?
Hoje quero mostrar pra você uma versão atualizada e inédita do primeiro capítulo do meu Guia de Roteiro para Histórias em Quadrinhos. Apesar de ser apenas metade do capítulo, já dá pra ter uma ideia da linguagem acessível, direta e leve que utilizo no livro.
Boa leitura!
Como se tornar um roteirista de HQs
Será que tem um rito de passagem? Talvez uma fórmula mágica? Ou será que bastaria respirar o mesmo ar que outros roteiristas, compartilhar do mesmo ambiente? Afinal, é possível transformar alguém em roteirista de histórias em quadrinhos?
A resposta é sim e não.
Não porque ninguém transforma ninguém em nada. Até porque, se alfabetizado, é só sentar e escrever um roteiro, certo? Mas, se é “só escrever”, até o ChatGPT escreve. Eu sei, está confuso, porque escrever histórias é um simples difícil pra caramba! É um trabalho fácil de se descrever — a gente senta e escreve —, mas que exige uma série de habilidades (físicas e psicológicas) de quem se dedica a essa loucura de produzir HQs.
O “sim” da questão tem a ver com as habilidades. Existe um caminhão de técnicas que podemos estudar como roteiristas de HQs, sem falar na boa e velha troca de experiências — que, aliás, é a razão de ser deste Guia. Mesmo que, quando o assunto é escrita, não haja absolutamente nenhuma maneira correta de se desenvolver uma história, existem habilidades e recursos repetidos e utilizados (alguns desde os tempos de Aristóteles) por boa parte dos roteiristas que admiramos — e é elas que vamos estudar ao longo do Guia.
Mas antes, quero falar sobre quatro hábitos “pré-escrita” de qualquer roteirista que você vai incorporar no seu dia-a-dia a partir de agora.
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Leia de tudo (e forme a sua bagagem de referências)
Para começar, vou ser clara e direta: se você não curte ler, está escolhendo o trabalho errado. Largue esse Guia, porque ser roteirista não é pra você. Estou falando sério.
Ler é um outro pedaço da escrita. Se você não ler, será quase impossível que você evolua como roteirista. A leitura é a melhor escola de escrita que se pode ter. É lendo que descobrirá novos mundos, novas vozes (com sorte, vozes diferentes da sua) e enriquecerá o seu repertório como roteirista.
Agora, devo dizer o óbvio do óbvio: além de gostar de ler, você precisa gostar de ler HQs. Já tive alunos que queriam escrever HQs, mas não gostavam de lê-las — e isso não faz o menor sentido! Como você vai escrever roteiros em uma linguagem que não entende como funciona na prática? Se você não curte HQs e acha que pode escrever uns roteiros sem entender a linguagem, esse Guia também não é pra você.
Resolvidas as questões de leitura, o hábito que você precisa adquirir é ler de tudo um pouco. Se está no ônibus, leia letreiros e propagandas. Se está doente, leia a bula do remédio. Se está em uma sala de espera, pegue uma revista para ler. Não se limite aos clássicos nem aos contemporâneos se decidir ler livros. Leia histórias em quadrinhos, peças de teatro, letras de música, poesia. Leia em outros idiomas, se possível.
Agora, não se limite apenas a ler textos escritos. Eles são importantes e te darão muita bagagem (afinal, temos seis mil anos de coisas escritas para ler), mas você quer se tornar um roteirista de HQs, certo? Então você precisa aprender a ler textos nos mais variados formatos.
Aqui empresto o termo “texto” da linguística moderna, que define como texto qualquer unidade comunicativa, composta ou não por palavras. Ou seja, toda forma de comunicação, seja ela verbal ou não-verbal, é um texto — e isso é mega importante para qualquer roteirista de HQs porque estamos trabalhando com um sistema semiótico muito específico, rico e poderoso.
Podemos definir, então, dois tipos de leitura: uma formal, composta por livros, HQs, filmes, séries, músicas, fotografias etc; e outra informal, que é a leitura de comportamentos, paisagens, conversas alheias, sons etc. Você é o filtro para as suas leituras, tanto formais quanto informais — e é a forma como você organiza e sintetiza essas leituras que te transforma em um roteirista. O resto é técnica e treino.
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Treine a sua escrita (e nada de pular essa parte!)
Ao longo do Guia, vou abordar uma porrada de conceitos sobre construção de narrativas. Ao final de cada capítulo, vou propor alguns exercícios. Esse esquema, conceito + exercício, é o que acredito ser o mais eficaz para te colocar em contato real-oficial com a prática da escrita.
Lembra que escrever é um simples complexo, né? Isso acontece porque podemos escrever sobre qualquer coisa de qualquer jeito — e se você, assim como eu, tem cinquenta ideias por semana e desiste delas em menos de três minutos, precisará de algum direcionamento para concluir seus projetos de HQ.
Já escrevi quilos de coisas achando que estava sendo genial, mas que no fim era tudo lixo. No começo eu me frustrava muito (afinal, quem não quer ser genial o tempo inteiro?), mas depois comecei a entender que eu precisava treinar a minha escrita. Dito e feito: comecei a escrever todos os dias.
O que eu escrevo? Ah, qualquer coisa que estiver passando pela minha cabeça (é o exercício de Escrita Livre que incluí no final deste capítulo) com um fluxo de consciência, fazendo o máximo para não me julgar e nem me cobrar muito. E esse exercício é super importante, porque ele automatiza o ato da escrita em si, abrindo espaço para pensarmos sobre outros aspectos do nosso texto (o que vai acontecer com um personagem, por exemplo).
Em outras palavras, enquanto você estiver focado na qualidade do seu texto, na gramática formal ou em qualquer outra limitação que você acredita que tem em relação à escrita, escrever roteiros será muito mais difícil, trabalhoso e sofrido. Treinar a sua escrita te dará segurança e te ajudará a tirar todos os fantasmas do caminho.
Por isso, não tenha vergonha de escrever sobre nada — nada mesmo! Sejam medos, preocupações, ideias simples ou uma lista de afazeres, não importa. Enquanto você estiver com essas coisas na cabeça, será bem mais difícil do seu roteiro sair.
Você pode escrever em um caderno, no computador, no celular, na máquina de escrever… tanto faz. Escolha as armas de sua preferência, reserve um momento só pra você todos os dias e treine a sua escrita.
(continua na próxima edição)
Abraços,
Mylle.